Proposição alvo: 005.00033.2022

A Vereadora Amália Tortato, no uso de suas atribuições legais, submete à apreciação da Câmara Municipal de Curitiba a seguinte proposição:

Emenda Supressiva

EMENTA

Emenda Supressiva ao Projeto de Lei Ordinária, Proposição n. 005.00033.2022, de iniciativa do Vereador Marcelo Fachinello, que “altera o § 1º do art. 33 da Lei nº 11.095, de 21 de julho de 2004 […]”, para retirar exigência de sede ou filial licenciada no Município para o exercício da atividade de autoatendimento automatizado.

Suprima-se a alínea “a” proposta ao inciso III do § 1º do art. 33 da Lei n. 11.095, de 21 de julho de 2004, pelo Projeto de Lei Ordinária, Proposição n. 005.00033.2022, renumerando-se as demais alíneas.

Palácio Rio Branco, 16 de outubro de 2022

Justificativa

A presente emenda visa suprimir do Projeto de Lei n. 005.00033.2022, a seguinte alínea destacada em negrito:

Art. 1º O § 1º do art. 33 da Lei nº 11.095, de 21 de julho de 2004, passa a vigorar com a seguinte redação:

§ 1º Excetuam-se das exigências deste artigo:

[…]

III – atividades desenvolvidas de forma automatizada através de autoatendimento, sem suporte humano e permanência de público no local;

a) a empresa deverá possuir sede ou filial devidamente licenciada no Município para todas as atividades, inclusive as exercidas de forma automatizada;

[…]

A supressão visa adequar a proposição à Lei Federal n. 13.874/2019, que instituiu a “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica” em âmbito nacional e limitou o poder regulatório estatal, vedando a criação de reserva de mercado por meio de regulação que favoreça qualquer grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes, conforme dever disposto no art. 4º, em seus incisos I a IV, a seguir transcritos:

Art. 4º  É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente:

I – criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes;

II – redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado;

III – exigir especificação técnica que não seja necessária para atingir o fim desejado;

IV – redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, ressalvadas as situações consideradas em regulamento como de alto risco;

A exigência presente na redação dada à alínea “a” a ser suprimida privilegia, de forma indevida, as empresas que já detêm estabelecimentos constituídos no Município de Curitiba, inclusive para a instalação de máquinas que podem ser operadas remotamente por prestadoras de serviço de outros municípios (como os da região metropolitana) para a oferta de alimentos industrializados e que não exigem reavaliação sanitária.

Inclusive, como pontuado pela Procuradoria Jurídica na Instrução n. 110/2022, a Lei de Liberdade Econômica é regulamentada em Curitiba pelo Decreto vigente n. 360, de 17/03/2022, em que se define a classificação de risco das atividades econômicas a ser observada nos licenciamentos municipais, dispensando as atividades consideradas de “nível de risco I – baixo risco” ou “baixo risco A” da necessidade de Alvará de Localização e Funcionamento e de demais atos públicos municipais de liberação, na forma de seu art. 5º. Essa classificação encontra-se no Anexo I daquela norma, onde estão listados os respectivos CNAEs, que podem ser utilizados para o exercício das atividades de autoatendimento automatizado:

4712-1/00 – Comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios – minimercados, mercearias e armazéns

4729-6/02 – Comércio varejista de mercadorias em lojas de conveniência

5612-1/00 – Serviços ambulantes de alimentação (cf. a CONCLA/IBGE, esta subclasse compreende também a venda de alimentos preparados em máquinas de serviços automáticas)

Por isso, mostra-se ilegal e desproporcional a previsão de que as empresas do segmento devam possuir sede ou filial no Município de Curitiba, pois cria tratamento mais restrito que a disciplina fiscal hoje conferida ao exercício dessas e de outras atividades de baixo risco, que já encontram dispensadas de Alvará e outros atos públicos municipais de liberação.

Embora se fundamente no objetivo de simplificar e desburocratizar, o Projeto de Lei tem o potencial de piorar o ambiente regulatório da atividade listada no inciso III da proposição.

Outro argumento contrário à obrigatoriedade de abertura de sede ou filial licenciada no Município advém do debate travado no STF quando do julgamento do RE 1.167.509/SP, leading case do Tema de Repercussão Geral n. 1020, que discutiu a possibilidade de lei municipal determinar retenção tributária pelo tomador de serviço, em razão da ausência de cadastro do prestador não estabelecido no território do Município. Além de ter decidido que a determinação legal era inconstitucional, por ofensa ao art. 152 da Carta Magna, que veda aos entes federativos qualquer diferenciação tributária entre bens e serviços, de qualquer natureza, em razão de sua procedência ou destino, a Suprema Corte trouxe relevantes argumentos que afastam a alegação de necessidade fiscalizatória, conforme trechos a seguir, reproduzidos do inteiro teor do julgado, de relatoria do Exmo. Ministro Marco Aurélio:

O caso é emblemático a revelar, em campo sensível do desenvolvimento – o tributário -, a parafernália de leis desordenadas, o Brasil cartorário.

[…]

A pretexto de afastar evasão fiscal, o Município de São Paulo estabeleceu obrigação – cadastramento – a contribuinte submetido a imposição tributária de outra municipalidade. Tem-se regência de fatos geradores ocorridos fora do respectivo território.

[…]

Descabe potencializar a finalidade fiscalizatória do cadastro, permitindo-se, à margem da Constituição Federal, à margem da Lei Complementar disciplinadora – nº 116/2003 -, a criação de encargos por quem não integra a relação jurídica tributária.

Se não há competência para instituição do tributo, como é possível o fisco municipal criar obrigação acessória? O sistema não fecha!

A disciplina versada na norma é estranha ao interesse local, configurando ofensa ao disposto no artigo 30, inciso I, da Lei Maior.

Mostra-se configurada a arguida afronta ao artigo 152 da Carta da República. A medida impugnada dá ensejo a tratamento diferenciado em razão da procedência do serviço, ante o regime peculiar inaugurado visando estabelecimentos situados fora do Município.

Com isso, o STF afastou as alegações fazendárias de que o cadastro no Município não representaria ônus financeiro ou tampouco representaria obstáculo burocrático para as empresas que atuam em conformidade com as exigências legais. A Corte deixou claro que não seria admitida qualquer tratamento diferenciado a prestadores de serviço em razão de sua origem. Se um mero cadastro foi afastado pelo Judiciário, quanto mais não seria reconhecida a inconstitucionalidade da imposição da abertura de sede ou filial para a oferta de bens ou serviços aos munícipes.

Nesse sentido, a jurisprudência do nosso Egrégio Tribunal de Justiça do Paraná, que tem afastado a previsão do Decreto n. 1.302/2017, que exige “sede, filial ou escritório de representação no Município de Curitiba” às empresas que operam aplicativos de transporte de passageiros, em trechos do inteiro teor do julgamento da Apelação n. 0004632-46.2017.8.16.0004, julgado em 05/11/2020, de Relatoria da Exma. Desembargadora Maria Aparecida Blanco de Lima:

Ademais, ainda não fosse esse o caso e ainda que se revelasse não imprescindível, mas útil ou facilitadora da atividade fiscalizatória, como alega o Apelado, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, o grau de restrição que implicam à livre iniciativa (fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro) e à livre concorrência (princípio basilar da ordem econômica constitucional) afastam a legitimidade da imposição.

De fato, em um país que possui mais de 5.500 municípios, exigir, como requisito do exercício da atividade discutida em cada uma dessas unidades federativas – cujo possibilidade se impõe admitir, em hipótese de validação da regulamentação infralegal ora debatida – de existência de sede, filial ou escritório de representação local por parte de empresas como a Recorrente obviamente implicaria significativo ônus que, no mínimo, desestimularia o ingresso, primordialmente, nos pequenos municípios (já que, em geral, considerando fatores como população, número de usuários, renda obtida etc. a sociedade empresária possa até considerar estrategicamente interessante instalar-se em grandes capitais ou municípios de maior porte, dificilmente o mesmo poderia ser dito, porém, quanto a outros, de menor porte), podendo ainda inviabilizar a empresa, em seu aspecto funcional.

Assim, a questão central discutida em sede recursal deve ser analisada, igualmente, à luz também que diz respeito aos princípios da ordem econômica.

[…]

Veja-se, então, que a exigência inquinada extrapola os parâmetros legais, representando intervenção indevida na iniciativa privada. E, como bem explicou a Recorrente, a empresa presta seus serviços a partir de plataforma tecnológica, sendo, além disso, incompatível a determinação de que uma empresa que presta serviços no ambiente online conte, de forma impositiva (e não por opção a partir de estratégia econômica), com sede, filial ou escritório de representação na totalidade dos Municípios em que atua.

Em consonância com a fundamentação expendida, foram citados precedentes oriundos do TJPR, do TJSP, do TJMG e do TJRO, que trazem à tona casos relativamente semelhantes à situação de exigência de sede, filial ou escritório de representação nos municípios demandados, como requisito ao exercício de determinada atividade: No TJPR, pela 4ª Câmara Cível, ao julgar o AI 1680392-0 em face do Município de Curitiba, em 26.09.2017; no TJMG, pela 8ª Câmara Cível, ao julgar a Apelação Cível 1.0000.18.010752-6/002, em 04/02/2020; no TJRO, ao julgar-se a ADI n. 0802559-78.2018.822.0000, em 16/04/2019. Todas essas decisões afastaram exigências locais que feriam o princípio da razoabilidade e da livre iniciativa, de forma semelhante ao estabelecido na alínea a ser suprimida por esta proposição.

Diante do exposto, certa de que a supressão do dispositivo eliminará uma exigência inconstitucional, ilegal e contraditória com o propósito da iniciativa de conferir desburocratização e simplificação ao setor que desenvolve atividades de forma automatizada através de autoatendimento, submeto esta Emenda à aprovação dos demais pares da Casa.