PROPOSIÇÃO Nº 005.00026.2023

A Vereadora Amália Tortato, no uso de suas atribuições legais, submete à apreciação da Câmara Municipal de Curitiba a seguinte proposição:

Projeto de Lei Ordinária

EMENTA

Acrescenta e altera dispositivos da Lei n. 9.000, de 27 de dezembro de 1996, que institui o Código de Saúde de Curitiba, para ampliar o rol de doenças triadas pelo Teste do Pezinho. (Lei Heitor e Henry)

Art. 1º O art. 78 da Lei n. 9.000, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar com o acréscimo do seguinte inciso XIX e do § 2º, renumerando-se o parágrafo único em § 1º:

Art. 78.

[…]

“XIX – garantia de realização do teste de triagem neonatal ou ‘Teste do Pezinho’ em recém-nascidos, como meio de detectar e identificar precocemente as doenças listadas no Anexo II desta Lei.” (AC)

[…]

“§ 2º O encaminhamento decorrente dos resultados dos exames previstos no caput deste artigo observará o princípio da proteção integral, especialmente quanto à garantia de atendimento prioritário aos recém-nascidos que forem identificados com doenças que exigem tratamento imediato.” (AC)

Art. 2º O inciso VII do art. 78 da Lei n. 9.000, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 78.

[…]

“VII – garantia de realização do exame de oximetria de pulso a ser realizado nos membros superiores e inferiores dos recém-nascidos – ‘Teste do Coraçãozinho’ – ainda no berçário e após as primeiras 24 (vinte e quatro) horas de vida da criança e antes da alta hospitalar;” (NR)

Art. 3º A Lei n. 9.000, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar com o acréscimo do seguinte Anexo II:

“ANEXO II

Doenças que deverão ser detectáveis pelo ‘Teste do Pezinho’:

1º ano da entrada em vigor desta Lei:

1. Imunodeficiências primárias;

2. Fenilcetonúria e outras hiperfenilalaninemias;

3. Hipotireoidismo congênito;

4. Doença falciforme e outras hemoglobinopatias;

5. Fibrose cística;

6. Hiperplasia adrenal congênita;

7. Deficiência de biotinidase;

8. Toxoplasmose congênita;

9. Galactosemias;

10. Aminoacidopatias;

11. Distúrbios do ciclo da ureia;

12. Distúrbios de betaoxidação dos ácidos graxos;

2º ano:

13. Doenças lisossômicas;

3º ano:

14. Deficiência de G6PD (glicose-6-fosfato desidrogenase);

4º ano:

15. Atrofia muscular espinhal (AME);

16. Acidúria glutárica tipo I (AG1).” (AC)

Art. 4º Os custos da execução desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 5º Esta Lei entra em vigor em 1º de janeiro do ano subsequente ao de sua publicação.

Palácio Rio Branco, 28 de fevereiro de 2023

Justificativa

O teste de triagem neonatal na sua modalidade ampliada detecta uma série de doenças que o teste do pezinho básico não alcança. 

Atualmente no Paraná são apenas 6 (seis) grupos de doenças triadas, a saber: Deficiência de Biotinidase, Fenilcetonúria, Fibrose Cística, Hemoglobinopatias, Hiperplasia Adrenal Congênita e Hipotireoidismo Congênito [1]. Todavia, existem versões ampliadas do exame capazes de verificar uma lista muito maior de patologias, infelizmente não disponíveis na rede pública de saúde do Município de Curitiba, mas apenas na rede privada.

Feito a partir de gotas de sangue coletadas do calcanhar do recém-nascido, parte do corpo rica em vasos sanguíneos, o teste do pezinho, nome popular para a Triagem Neonatal, detecta precocemente algumas doenças metabólicas sérias, raras e assintomáticas que, se não tratadas a tempo, podem afetar o desenvolvimento do bebê, levar a sequelas irreversíveis ou até mesmo ao óbito.

As versões ampliadas diferem tanto em nomenclatura quanto em número e tipo de doenças investigadas, dependendo de cada laboratório, mas a lista do teste ampliado pode chegar a cerca de 50 (cinquenta) doenças identificadas a partir daquela furadinha no pezinho do bebê. Isso porque atualmente os laboratórios privados possuem estrutura para realizar testes ampliados com o número variável de cobertura de doenças metabólicas de 10, 20 a até 50 doenças, de acordo com o tipo do exame contratado.

Tanto para os cofres públicos quanto para os responsáveis pelo bebê, estar coberto por um diagnóstico mais amplo traz economias. Se o recém-nascido possui uma condição de nascença, ela vai se manifestar de qualquer forma, mais cedo ou mais tarde. Caso ela seja diagnosticada antes da manifestação da doença, o tratamento planejado é mais assertivo e menos custoso. 

É por isso que a adoção da melhor versão para o teste do pezinho deve ser vista como um investimento pelo Município, podendo evitar, a depender da doença, que crianças se tornem futuros pacientes complexos, com muitas sequelas, às vezes dependentes de medicamentos caros ou ainda de leitos em casos mais graves.

Destaca-se que a saúde constitui direito fundamental, de natureza social, consoante preceitua o art. 6º, caput, da Constituição Federal, e está associada fortemente ao princípio da dignidade da pessoa humana, um dos pilares da República Federativa do Brasil.

O direito à vida está relacionado no Título II da Constituição, que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, sendo o direito à saúde o mais expressivo componente de uma vida com dignidade. Sem saúde, ou pelo menos, sem a assistência à saúde, não se pode dizer que exista sequer uma vida digna.

Como se vê, o direito à saúde é estabelecido pela Constituição Federal como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, regido pelo princípio do acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

O Supremo Tribunal Federal (STF) vem reafirmando em jurisprudência a responsabilidade solidária dos entes federados no dever de prestar assistência à saúde. [2]

Vejamos o entendimento firmado na Repercussão Geral n. 793 do STF, no julgamento do leading case RE 855.178/SE: “O tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, sendo responsabilidade solidária dos entes federados, podendo figurar no polo passivo qualquer um deles em conjunto ou isoladamente.”

Importante destacar que a recente Lei Federal n. 14.154/2021, que veio com o objetivo de aperfeiçoar o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), por meio do estabelecimento de rol mínimo de doenças a serem rastreadas pelo teste do pezinho, não traz prazo para o cumprimento das etapas, o que, entende-se, exige disciplina municipal cogente, a fim de garantir a sua efetiva aplicabilidade.

Ademais, Curitiba possui instituição (FEPE – Fundação Ecumênica de Proteção ao Excepcional) capacitada técnica e logisticamente para atender as demandas no Município para a realização dos exames. E, para os casos detectados, Curitiba possui condições de fornecer tratamento adequado, pois conta com estrutura exemplar no País, considerando que já recebe pacientes de todas as regiões.

Por fim, podemos observar a iniciativa de realização do Teste do Pezinho ampliado nos Estados de Minas Gerais [3] e Rio Grande do Sul, no Distrito Federal [4] e em São Paulo (capital).

Face exposto, resta caracterizado o interesse público do Município em instituir o teste do pezinho ampliado, para a detecção de todas as doenças listadas na Lei Federal n. 14.154, de 26 de maio de 2021, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente e aperfeiçoou o Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), por meio do estabelecimento de rol mínimo de doenças a serem rastreadas pelo teste do pezinho.

RELATOS DE CASOS:

A fim de tornar mais clara a dificuldade enfrentada pelas mães em relação às doenças que podem ser diagnosticadas precocemente pelo Teste do Pezinho ampliado, trazemos o caso da Sra. Larissa de Carvalho e seu filho Theo, e o caso dos irmãos Heitor e Henry, filhos da Sra. Kelly Bueno, que inspiraram e por isso apelidam esta iniciativa para que, ao entrar em vigor, a nova legislação fique conhecida como “Lei Heitor e Henry”.

Theo nasceu com uma doença genética, a acidúria glutárica, na qual o organismo não consegue absorver as proteínas ingeridas, o que vai matando os neurônios e causando sequelas irreversíveis, como problemas motores e cegueira. 

No caso dele, a doença só foi detectada quando Theo já estava com 1 ano e 10 meses, e aí já era tarde demais para um tratamento que efetivamente trouxesse cura. Fato é que a doença poderia ter sido tratada se descoberta quando o menino era recém-nascido, pois a acidúria glutárica pode ser detectada no teste do pezinho, e passível de tratamento. No entanto, o teste feito na rede pública de saúde não abrange a acidúria glutárica, assim como outras dezenas de doenças. O teste do SUS rastreia apenas seis doenças congênitas, enquanto o da rede particular é mais abrangente e detecta o mal que acomete Theo e outras milhares de crianças. [5]

A mãe relata: “Quando descobri a doença, perguntei ao médico em que momento o Theo começou a perder os neurônios e ele foi enfático: no primeiro gole, no seu peito. Eu matei os neurônios do meu filho”. Ainda acrescenta: “Descobri da pior maneira possível que o teste oferecido pelo SUS detecta apenas seis doenças e a do meu filho não estava entre elas. Eu não tive essa informação e todos nós temos o direito de saber, é uma cultura que precisa ser mudada entre os profissionais de saúde”.

No caso dos irmãos Heitor e Henry, ambos foram diagnosticados com a Síndrome de Imunodeficiência Combinada Grave (SCID), que poderia levá-los à morte com poucos meses de vida. 

Heitor viveu sem sintomas até os 4 meses, quando ficou 72 dias internado para tratar sua primeira infecção, em UTI, ficando com sequela pulmonar grave. Aos 7 meses voltou à UTI por mais 30 dias internado e foi quando os médicos suspeitaram que alguma doença imunológica poderia estar deixando a criança suscetível a infecções graves. Seu transplante de medula foi realizado com 1 ano e 1 mês de vida; evoluiu com complicações precoces e tardias e dificuldade de recuperação imunológica. Só a hospitalização do transplante durou outros 132 dias.

Por ter recebido diagnóstico tardio da doença, Heitor hoje vive com sequelas irreversíveis à sua vida e à sua saúde. 

Em razão do histórico do Heitor, o irmão Henry foi avaliado logo no nascimento. E, confirmada a doença, todas as providências já foram tomadas para que o Henry não fosse acometido pelas graves consequências da SCID. Diferentemente do irmão, o menino iniciou tratamento para medidas de prevenção de infecção e foi transplantado aos 2 meses de vida, antes que os sintomas da imunodeficiência combinada grave aparecessem. Permaneceu apenas 37 dias hospitalizado para o transplante. Evoluiu sem quaisquer complicações e com 100% de recuperação do sistema imunológico.

O irmão mais velho, Heitor, passa por tratamentos para recuperação neurológica e faz uso de gastrostomia (que é uma abertura no estômago que é exteriorizada na pele, realizada durante uma cirurgia, para administrar alimentos e líquidos).  Já o irmão mais novo, Henry, não possui sequelas.

O relato de sua mãe, a Sra. Kelly Bueno, deixa clara a importância do exame e tratamento precoce: 

“Vivo os dois extremos dessa batalha em casa com meus dois filhos e posso dizer com toda a minha experiência que é possível, que é verídica, que sim podemos salvar as crianças que nascem sentenciadas à morte por essa doença rara tão terrível. Não são só suposições. É real e eu tenho autoridade como mãe de dois filhos com imunodeficiência combinada grave, um com diagnóstico tardio, com muitas sequelas e traumas e luta, e o outro com o diagnóstico precoce realizado […]”

Tais perspectivas de triagem neonatal são animadoras, especialmente se considerados os dados médicos que apontam sobrevida após 2 anos de idade de apenas 2% (dois por cento) das crianças afetadas pela doença do SCID que não recebem tratamento tempestivo, tendo em vista que seu sistema imunológico não se desenvolve, fazendo com que elas estejam suscetíveis a múltiplas infecções. Em contrapartida, “a instituição de tratamento precocemente e oportuno permitiu o alcance de uma sobrevida de 94% nesse grupo, comparada com taxas de mortalidade próximas a 100% se considerada a história natural da doença”. [6]

ANÁLISE DE IMPACTO LEGISLATIVO:

Do impacto legislativo almejado

Por meio da presente proposta legislativa, além de dar efetividade à lei federal, pretende-se garantir às famílias curitibanas a redução do risco de desenvolvimento de doenças que podem comprometer a saúde e a vida de seus filhos.

O diagnóstico nos primeiros dias de vida evita que algumas doenças sejam desenvolvidas, e o tratamento precoce permite maiores chances de sucesso no tratamento de doenças.  Por outro lado, o tratamento médico prolongado expõe as famílias a circunstâncias infelizmente negativas a todos os seus membros, pois forçam o afastamento de algum dos genitores – geralmente a mãe – do ambiente de trabalho, para fins de acompanhamento do tratamento de seus filhos.

Importante destacar que tanto para os cofres públicos quanto para a família, estar coberto por um diagnóstico mais amplo traz economias. Não apenas em relação ao custo financeiro, mas também deve ser considerado o custo emocional de todos os envolvidos nesse processo.

Neste sentido, reitera-se que, se o recém-nascido possui uma condição genética de nascença, as doenças vão se manifestar de qualquer forma, mais cedo ou mais tarde.E caso elas sejam diagnosticadas precocemente, o tratamento planejado é mais assertivo e menos custoso, tanto sob o aspecto financeiro, quanto emocional e social, da criança e da família envolvida.

Do impacto orçamentário

Das informações constantes nos dados disponibilizados por meio do Relatório Detalhado do Quadrimestre Anterior (RDQA) – 3º quadrimestre de 2022, encaminhado à Câmara Municipal de Curitiba para prestação de contas da Secretaria de Saúde, observa-se que o número de nascimentos na cidade de Curitiba vem reduzindo anualmente. Os dados demonstram os seguintes números de nascimentos:

2018: 22.112 nascimentos

2019: 21.394 nascimentos

2020: 19.727 nascimentos

2021: 18.577 nascimentos

2022: 18.382 nascimentos

Logo, temos uma  média de nascimentos dos 3 (três) últimos anos de cerca de 19 mil crianças.

Em audiência pública de prestação de contas realizada na Câmara Municipal de Curitiba em 27/09/2022, conforme notas taquigráficas, a Secretária de Saúde informou que houve oferta à Prefeitura para realização do teste ampliado na faixa dos R$ 400,00 (quatrocentos reais).

A partir de tais dados, estima-se um impacto orçamentário-financeiro anual de aproximadamente R$ 7.600.000,00 (sete milhões e seiscentos mil reais) no último ano da implementação deste Projeto, para garantir a efetivação do direito fundamental à saúde de triagem neonatal ampliada.

REFERÊNCIAS CITADAS:

[1] Conforme informação disponibilizada no site do Governo do Estado do Paraná: Triagem Neonatal ‘ Secretaria da Saúde (saude.pr.gov.br). Acesso em 28/02/2023.

[2] Julgamentos do STF: Recurso Extraordinário n. 855.178/SE; Recurso Extraordinário n. 1.307.921/PR; Recurso Extraordinário n. 1.301.921/PR;

[3] Garantido em Minas Gerais por meio da Lei Estadual n. 23.554, de 13/01/2020;

[4] Garantido no Distrito Federal por meio da Lei Distrital n. 4190, de 06/08/2008, com inclusões das Leis Distritais ns. 6382 de 24/09/2019 e 6895 de 14/07/2021. O Distrito Federal é a única unidade da Federação que desde 2011 já possui o teste do pezinho ampliado e que detecta 40 doenças.

[5] Notícia disponível em:  

https://gshow.globo.com/programas/encontro-com-fatima-bernardes/noticia/mae-desabafa-sobre-doenca-do-filho-eu-matei-os-neuronios-dele.ghtml. Acesso em 19/10/2022.

[6] Dados disponíveis em: 

https://www.fleury.com.br/medico/artigos-cientificos/triagem-neonatal-da-scid-tem-impacto-no-prognostico-dos-portadores-da-doenca-mostra-estudo-revista-medica-ed-1-2019. Acesso em 09/11/2022.

Outras referências utilizadas na composição da justificativa do Projeto de Lei:

[7] Teste do Pezinho Ampliado: veja quais são as doenças detectadas – Mãe que ama (maequeama.com.br). Acesso em 28/02/2023.

[8] Justificativa do Projeto de Lei n. 0703/2020 em trâmite na Câmara Municipal de São Paulo, disponível em JPL0703-2020.pdf (camara.sp.gov.br). Acesso em 28/02/2023.

[9] O DIREITO À SAÚDE: RESPONSABILIDADE DE TODOS (UNIÃO, ESTADO E MUNICÍPIO) – Jus.com.br ‘ Jus Navigandi. Acesso em 28/02/2023.

[10] O que causa Aciduria Glutarica? (fluxodeinformacao.com). Acesso em 28/02/2023.

[11] Mãe desabafa após demorar para descobrir doença rara do filho: “Matei os neurônios dele” – Pais&Filhos (uol.com.br). Acesso em 28/02/2023.

[12] Para mais informações sobre a triagem neonatal e os desafios de sua efetivação por meio da rede de saúde pública local, são relevantíssimos os relatos e a discussão travada em Audiência Pública realizada nesta Câmara Municipal de Curitiba em 01/12/2021, com participação da Dra. Carolina Prando, resumido nesta notícia: Tribuna Livre alerta a desafios da triagem neonatal ampliada – Portal da Câmara Municipal de Curitiba e disponível no Youtube por meio do link: https://www.youtube.com/live/xX_NMb4VoMI?feature=share&t=5165. Acesso em 28/02/2023.

[13] Teste do Pezinho será ampliado e detectará até 50 novas doenças (www.gov.br) – Notícia oficial sobre os efeitos esperados para a Lei Federal n. 14.154, de 26 de maio de 2021.