Evento tratou do uso da água após eventos extremos como a estiagem em 2020 e as enchentes no início deste ano.

Foto: Rodrigo Fonseca/CMC

Nessa segunda-feira (20), a Câmara Municipal de Curitiba (CMC) promoveu uma audiência pública com o objetivo de debater as questões referentes aos rios e às bacias hidrográficas da capital paranaense. O evento foi uma iniciativa de Herivelto Oliveira (Cidadania), como um desdobramento da visita ao Museu Planeta Água da Sanepar na última sexta (17). O propositor também reforçou a comemoração do Dia Mundial da Água nessa quarta (22).

“Há muitos anos, em Curitiba, optou-se por canalizar as águas dos rios, o que talvez tenha parecido razoável naquele momento, mas que se mostrou, ao longo dos anos, motivo de problemas”, afirmou o propositor da atividade. Oliveira lembrou que a água é um recurso finito, cujas alternativas de preservação e de bom uso devem ser debatidas com a finalidade de definir estratégias de ação em situações críticas, como enchentes ou secas. Além dele, participaram da audiência pública os vereadores Bruno Pessuti (Pode), Amália Tortato (Novo), Oscalino do Povo (PP), Mauro Bobato (Pode) e Rodrigo Reis (União).

A mesa foi composta por: Antonio Carlos Gerardi, diretor do Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA); Leny Mary Goes Toniolo, professora recentemente aposentada da Prefeitura de Curitiba, na qual foi gerente de Educação Ambiental e assessora técnica da SMMA; Julio Gonchoroski, diretor de Meio Ambiente e Ação Social da Sanepar; Ester Amélia Assis Mendes, gerente de Recursos Hídricos da Sanepar; Selma Cubas, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES), e Gilmar Lima, arquiteto e urbanista, fundador e diretor executivo da agência de sustentabilidade Mãozinha Verde.

A jornalista Maria Celeste, especializada em meio ambiente e curadora de conteúdo do Museu Planeta Água da Sanepar, e o escritor Carlos Fernandes, autor de livros sobre os rios de Curitiba, também acompanharam a discussão proposta por Herivelto Oliveira.

Pessuti citou dois projetos que apresentou sobre o tema: um deles tornando obrigatória a divulgação das análises feitas nas águas dos rios e outro obrigando a identificação dos rios por meio de placas. “Quando a população conhece um rio pelo seu nome, passa a ter mais cuidado com esse curso de água”, declarou.

Tortato parabenizou Herivelto pela iniciativa da audiência e disse também estar atenta às questões do meio ambiente. Ela mencionou o trabalho de Diego Saldanha que constrói ecobarreiras usadas para a limpeza dos rios. Oscalino do Povo, por sua vez, se manifestou sobre a importância da preservação das matas ciliares — isto é, aquelas que nascem e se desenvolvem às margens dos rios.

Mãozinha Verde
Gilmar de Lima, da agência Mãozinha Verde, voltada à implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU), comentou que a entidade existe há 8 anos, possui 2.500 membros e atua como um hub transformador para soluções sustentáveis.

“Trata-se de um tema de vital importância para a manutenção da vida e nosso trabalho não se limita apenas ao município de Curitiba. Nosso projeto “Salve o Rio Ribeira”, por exemplo, diz respeito a um curso d’água que nasce no território de Curitiba, mas vai desembocar no litoral, atravessando outros municípios”, explicou. Lima mencionou, ainda, o rio Belém que, de acordo com ele, é emblemático para a história de Curitiba e, paradoxalmente, foi condenado, desde o início, a uma condição secundária de saneamento, tornando-se um curso d´água destinado a rejeitos.

“Com apoio da iniciativa privada, vamos recuperar áreas verdes por meio do programa Regenera e melhorar as condições de drenagem do solo. Tudo dentro dos ODS e da Agenda 2030”, continuou o convidado. “O Regenera é um processo que deve ser multidisciplinar e sistêmico, pois as ações poluentes são consorciadas nas suas soluções; pois envolvem questões educacionais”, declarou. Para ele, as políticas públicas voltadas à manutenção dos rios são fundamentais: “poluir é um ato. Revitalizar é um processo”.

Lima também se lembrou da lei municipal 11.692/2005, que autoriza as empresas a adotarem áreas verdes de Curitiba. A norma, sugeriu, poderia incluir as nascentes. “Medidas como essa”, explicou, “são necessárias para desenvolver o sentimento de pertencimento por parte da população”. O orador ainda elencou cinco passos que seriam imprescindíveis para a manutenção dos rios: repensar o consumo responsável; reduzir os poluentes e o uso de plástico; preservar e proteger as áreas verdes; exercer a cidadania com boas práticas e ajudar a identificar e proteger as nascentes.

Reserva do Futuro
Julio Jonchorowski, diretor de Meio Ambiente e Ação Social da Sanepar, disse que a experiência profissional lhe possibilitou visitar cidades por todo o Brasil e entender as necessidades específicas das várias bacias hidrográficas que se espalham pelo território nacional. “Falo não só como um dos diretores da Sanepar, mas também como cidadão, e posso garantir que entregamos uma água 100% tratada à população. [Conforme] a pesquisa divulgada pelo Trata Brasil, Curitiba é a segunda capital do Brasil em coleta tratamento de esgoto”, argumentou.

Mas, de acordo com Jonchorowski, não basta apenas ter os índices positivos, “pois os desafios são sempre renovados e surgem em amplitude maior”. “No ano de 1721, o ouvidor Rafael Pires Pardinho esteve em Curitiba para fazer suas correições e apontou que, na opinião dele, as águas do rio Ivo deveriam ser destinadas ao consumo e as águas do rio Belém seriam as chamadas ‘águas servidas’, ou seja, destinadas a servir como esgoto. Foi um erro que resultou na perda do rio Belém”, lembrou.

Segundo o representante da Sanepar, toda a água consumida na capital provém da Região Metropolitana de Curitiba (RMC). A canalização dos rios também foi criticada por ele, pois, em sua concepção, o procedimento leva a problemas como o assoreamento, a ocupação desordenada da cidade e a drenagem mal feita. “E também há uma perda na educação ambiental e na conscientização das pessoas”, frisou Jonchorowski.

Outros aspectos abordados pelo diretor foram a prevenção em relação a situações incontornáveis como as enchentes e as secas. “Aprendemos muito com a última estiagem que durou quase 20 meses. Essa situação nos fez criar o projeto Reserva Hídrica do Futuro, que vem desde Pinhais, passando pelo reservatório do Iraí, até Porto Amazonas, totalizando 150 quilômetros. Existem 20 mil hectares e cavas abandonadas que possuem interligações”, relatou. “São dois projetos, um em parceria com o Ibama, que destinou R$ 90 milhões, pra recuperar 1.400 hectares dessas águas. Em Curitiba, são três os locais que serão utilizados para este projeto: o Bolsão Audi, a foz do rio Barigui e um pouco abaixo do Zoológico de Curitiba. Isso além da parte da reserva hídrica destinada ao abastecimento. Um desses espaços se localiza nas proximidades do parque dos Peladeiros, que poderá armazenar 2 bilhões de litros de água.”

Cidades inteligentes
Selma Cubas, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABESA), lembrou-se do papel dos rios dentro do conceito de cidades inteligentes e inovadoras. “Um dos objetivos da nossa entidade é a universalização do saneamento. Para que todos possam ter água em quantidade e qualidade, devem ter coleta e tratamento do seu esgoto gerado”, defendeu. Reaproveitamento de resíduos e drenagem do solo também foram lembrados pela convidada. Em sua avaliação, não há uma legislação específica para a drenagem. “A cidade deve estar preparada tanto para a falta de água como para o excesso de água”, apontou.

A conexão entre as cidades inteligentes e o meio ambiente foi tema de um congresso promovido pela entidade em 2021, que teve como orientação os ODS. Cubas mostrou um mapa de Curitiba com a divisão das seis bacias hidrográficas que cortam a cidade: do rio Passaúna, do barigui, do Iguaçu, do Ribeirão dos Padilha, do rio Belém e dos rios Atuba e Bacacheri.

Plano de Segurança
Ester Amélia Assis Mendes, gerente de Recursos Hídricos da Sanepar, mencionou que, desde 2019, a Sanepar tem dado uma grande importância ao Plano de Segurança da Água, um planejamento preventivo. “O aprendizado que tivemos durante a estiagem nos levou a desenvolver ferramentas de monitoramento quantitativo em convênio com o Simepar, para monitoramento ativo dos mananciais, e também o convênio com o Tecpar, para o monitoramento da qualidade da água”, explicou. De acordo com ela, o plano não é obrigatório, mas foi desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde e tem o aval do Ministério da Saúde.

Antonio Carlos Gerardi, diretor do Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento da SMMA, ressaltou o fato de Curitiba ter atravessado dois eventos extremos: estiagem prolongada, a partir de 2020, e cheias decorrentes de chuvas muito concentradas, em um período muito curto, no começo de 2023. De acordo com ele, Curitiba já coleta mais de 98% do esgoto, mas há questões que ainda devem ser trabalhadas, como o plantio de árvores, a limpeza de rios e a conservação dos mananciais.

Ainda sobre a análise de como revitalizar os rios de Curitiba, Girard enfatizou a importância da regularização das ligações em residências, em comércios e em indústrias, além de defender a retomada do projeto Amigos dos Rios. “Precisamos de uma legislação que obrigue o cidadão a autorizar a passagem da rede coletora no seu fundo de lote”, defendeu.

Leny Mary Goes Toniolo, professora aposentada, iniciou sua fala lembrando que os rios foram os caminhos dos primeiros povoadores. “A cidade é um grande espaço dos rios”, afirmou. Ela se disse espantada em ver expressões como rio “domado”. Para Leny, “o rio não é uma coisa e, sim, uma condição para a vida. Não se trata de uma palavra trivial. Devemos observar, aprender e nos integrar aos processos da natureza”, frisou a educadora.

Em outro sentido, a jornalista Maria Celeste, curadora de conteúdo do Museu Planeta Água, declarou que a água pode ser vista como uma oportunidade, mas, para que se consiga água limpa e de qualidade, é necessário o restauro das matas ciliares. “Uma restauração vai nos ajudar como cidadãos e trazer mais animais voadores, pequenos mamíferos e invertebrados, criando um círculo virtuoso em torno da água”, opinou.


*Notícia revisada pelo estudante de Letras Brunno Abat
Supervisão do estágio: Alex Gruba