A Vereadora Amália Tortato, no uso de suas atribuições legais, submete à apreciação da Câmara Municipal de Curitiba a seguinte proposição:

Requerimento de Pedido de informações oficiais do Município

EMENTA

Solicita informações sobre os critérios adotados pela Prefeitura para a definição dos responsáveis pela construção e manutenção de calçadas no Município de Curitiba.

Requer à Mesa, na forma regimental, seja encaminhado expediente à Secretaria Municipal de Obras Públicas, solicitando esclarecimentos quanto aos critérios adotados pela Prefeitura para a escolha dos trechos de calçadas a serem construídos e zelados pelo Poder Público e daqueles transferidos à responsabilidade dos particulares.

Palácio Rio Branco, 21 de outubro de 2021

Justificativa

O presente questionamento parte da Lei Municipal n. 11.596/2005, regulamentada pelo Decreto 1.066/2005, que transfere ao proprietário do imóvel lindeiro a responsabilidade pela construção e manutenção das calçadas, conforme:

Art. 1º O proprietário de terreno, edificado ou não, situado em via provida de pavimentação, deverá construir e manter calçada em toda a extensão da testada do imóvel.

§ 1º A construção da calçada deverá acompanhar as disposições desta lei e a regulamentação específica determinada pelo Poder Executivo Municipal.

E que prevê a possibilidade de notificação dos particulares para a recuperação e conservação da calçada:

Art. 18 O departamento competente notificará os infratores das disposições da presente lei, na pessoa do titular do imóvel ou de seu preposto, ou ainda, quando necessário, por Edital, para a execução da regularização, observando os prazos de:

(…)

III – 2 (dois) dias úteis para recuperação e conservação de calçada não ocupada por tapume.

E que cria, ainda, por meio de seu art. 13, o Fundo de Recuperação de Calçadas (FUNRECAL), mas sem deixar claro se ele será composto por recursos públicos ou não.

Esses fundamentos foram citados recentemente na resposta dada pela Prefeitura ao Requerimento n. 044.08264.2021, de iniciativa desta Vereadora Amália Tortato, em que a Secretaria Municipal de Urbanismo assim colocou:

23/08/2021 – “A construção e reconstrução do passeio em toda a extensão dos terrenos compete aos proprietários. Por se tratar de rua com pavimentação provisória (antipó), não é necessário licença, devendo obedecer ao Decreto 1066/2006. Passamos a orientação por email: calcadas@curitiba.pr.gov.br (informar a Indicação Fiscal).” (SMU)

Apesar do regramento municipal, no entanto, a Constituição Federal prevê que:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;

II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

E a legislação infraconstitucional que se aprofunda no tema, ao dispor:

No Código Brasileiro de Trânsito (Lei Federal n. 9.503/1997):

Calçada – parte da via, normalmente segregada e em nível diferente, não destinada à circulação de veículos, reservada ao trânsito de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano, sinalização, vegetação e outros fins.

E no Estatuto das Cidades (Lei Federal n. 10.257/2001):

Art. 3º Compete à União, entre outras atribuições de interesse da política urbana:

[…]

III – promover, por iniciativa própria e em conjunto com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, programas de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais, de saneamento básico, das calçadas, dos passeios públicos, do mobiliário urbano e dos demais espaços de uso público;

IV – instituir diretrizes para desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico, transporte e mobilidade urbana, que incluam regras de acessibilidade aos locais de uso público;

[…]

Art. 41

[…]

§ 3º As cidades de que trata o caput deste artigo devem elaborar plano de rotas acessíveis, compatível com o plano diretor no qual está inserido, que disponha sobre os passeios públicos a serem implantados ou reformados pelo poder público, com vistas a garantir acessibilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida a todas as rotas e vias existentes, inclusive as que concentrem os focos geradores de maior circulação de pedestres, como os órgãos públicos e os locais de prestação de serviços públicos e privados de saúde, educação, assistência social, esporte, cultura, correios e telégrafos, bancos, entre outros, sempre que possível de maneira integrada com os sistemas de transporte coletivo de passageiros.

Em linha do que reconhece a Jurisprudência:

RECURSO INOMINADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. SENTENÇA EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA DE PEDIDO DE CONDENAÇÃO EM FACE DO MUNICÍPIO. ANULAÇÃO DE PARTE DA SENTENÇA DE OFÍCIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ESTACIONAMENTO DE VEÍCULO DE GRANDE PORTE EM ÁREA PROIBIDA. OCORRÊNCIA DE DANOS AO ASFALTO. IMPOSSIBILIDADE DE TUTELA PARTICULAR DE BEM PÚBLICO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE OS DANOS DA CALÇADA E O VEÍCULO DO RECORRENTE. MINORAÇÃO DO QUANTUM FIXADO À TÍTULO DE DANOS MORAIS. PEDIDO CONTRAPOSTO DESPROVIDO. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. […] (TJPR. Acórdão 1. 0012329-30.2016.8.16.0174 Relator:  Manuela Tallão Benke Processo: 0012329-30.2016.8.16.0174 Órgão Julgador: 4ª Turma Recursal Data Julgamento: 15/08/2018).

E M E N T A – AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ALEGAÇÃO DE QUEDA EM CALÇADA E SUPOSTA SEQÜELA FÍSICA. VIA PÚBLICA. GESTÃO DO BEM PÚBLICO MUNICIPAL. OBRIGAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CONSERVAR E DE FISCALIZAR USO DAS CALÇADAS PELOS PARTICULARES. LEGITIMIDADE PASSIVA RECONHECIDA. RECURSO PROVIDO.

I) De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro a calçada é parte integrante da via pública, sendo bem público pertencente ao Município.

II) O Município, como titular legítimo das obrigações pertinentes aos bens públicos municipais, tem a obrigação de gerir a sua conservação, bem como a utilização pelos particulares, devendo fiscalizá-los no cumprimento de seus deveres.

III) Responsabilidade civil decorrente do suposto descumprimento do dever legal atribuído ao Poder Público, de conservar e fiscalizar a manutenção das vias públicas, bens públicos de uso comum do povo. Legitimidade passiva reconhecida.

IV) Recurso provido (TJMS – Agravo de Instrumento – Nº 1401266-42.2014.8.12.0000 – Campo Grande Relator – Exmo. Sr. Des. Dorival Renato Pavan Órgão julgador: 4ª Câmara Cível, Data julgamento: 25/03/2014).

Preceitos constitucionais e legais, portanto, que estabelecem a calçada como bem público de uso gratuito, que deve obedecer regras de acessibilidade a serem implementadas pelo Poder Público, razão pela qual é vedado o uso conforme a vontade do proprietário do imóvel lindeiro.

Até por isso, por exemplo, o IPTU não alcança a área da calçada, seguindo a lógica que afasta a responsabilidade do particular sobre ela. O Ministério Público do Paraná chega a pontuar claramente pela impossibilidade de delegação dessa responsabilidade, entendendo que as legislações federais devem prevalecer sobre normas municipais em sentido contrário, uma vez que a transferência do dever de construção e conservação ao particular não se trata de uma possibilidade juridicamente admissível no Brasil. [1]

Esses fundamentos jurídicos decorrentes da natureza de bem público coadunam-se com as previsões encaminhadas pelo Município de Curitiba, em seu Projeto do Plano Plurianual (PPA) para o período 2022-2025, da proposição n. 013.00009.2021, em que constam gastos públicos para o cumprimento de uma política de implantação e requalificação de calçadas em vias do Município (dentro dos objetivos setoriais 7.4.2 e 7.7). [2]

Diante do exposto, à luz da aparente antinomia entre a Lei Municipal n. 11.596/2005 e o ordenamento jurídico federal, ao lado das previsões para o PPA 2022-2025, requer-se o apontamento dos critérios adotados pelo Município de Curitiba para a escolha dos trechos de calçadas a serem construídos e zelados pelo Poder Público, por um lado, e daqueles deixados para os particulares proprietários dos imóveis lindeiros, por outro lado.

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Referências citadas:

[1] Responsabilidade dos Municípios por cuidados com calçadas é destacada em evento do MPPR – Institucional – Central de Comunicação Social do MPPR

[2] SPL II – Sistema de Proposições Legislativas II (cmc.pr.gov.br) = proposição 013.00009.2021 em trâmite nesta Câmara Municipal.